Olá, caros leitores! Gostaria de informá-los que esta postagem tráz algo pioneiro para este Blog: Uma nova seção de ENTREVISTAS. A partir de hoje, não será tão raro alguém ser entrevistado. Geralmente sobre um tema da atualidade ou polêmico.
A escolha da 1ª Entrevista/Entrevistada levou em conta os terríveis acontecimentos atuais no Japão. Desde o dia 10 deste mês, a Terra do Sol Nascente vem passando por sérias dificuldades. A escolha da entrevistada levou em conta sua ascendência nipônica e sua experiência de ter morado no Japão.
Dada as boas vindas à essa inovação e feito os rápidos esclarecimentos aos leitores amigos, vamos iniciar!
Nome Completo: Nancy Keiko Fujita.
Data de Nascimento: 08/10/1984
Escolaridade: Ensino Superior Completo em Engenharia Eletrônica (apesar de nunca ter exercido a profissão).
Atualmente trabalha: Como tradutora de japonês-português (e às vezes, inglês) em uma obra no Complexo de Suape – PE.
Sensei Que Nada Sei – Olá Keiko, para começar, qual a sua ligação com o Japão?
Keiko – Minha família é toda de origem japonesa.
Minha mãe é nascida em Tóquio. Veio ao Brasil quando era adolescente, junto com meus avôs, para tentar a vida aqui, pois na época, o Japão ainda estava muito arrasado pela Segunda Guerra Mundial. Ela trabalhou na lavoura de café, depois em escritórios, como secretária. Morou no Sul e em São Paulo, e desde que casou com meu pai, mora em Recife. Atualmente, ela é professora de japonês.
Não conheço em detalhes a história de meu pai, pois ele não era de falar sobre sua vida. Ele nasceu em Hiroshima, mas só veio ao Brasil bem mais tarde, já para abrir seu negócio. Trabalhava como fornecedor de alimentos para navios japoneses que vinham ao porto do Recife.
SQNS – Você já morou no Japão por um tempo. Como era seu cotidiano por lá?
Keiko – Eu tive muita sorte. Tive a oportunidade de conhecer o Japão nas melhores condições possíveis. Fui selecionada para uma bolsa de estudos para descentes de japoneses pela JICA (Japan International Cooperation Agency), então, fui ao Japão com tudo pago (passagem de avião, alimentação, transporte, estadia e ainda uma graninha no final do mês para fazer compras e passear).
Ficamos em alojamento da própria instituição, junto com outros bolsistas do mundo todo (inclusive não-descendentes). Tive a oportunidade de fazer amizade com pessoas de vários países. Até hoje, não consigo ler tudo o que aparece na página inicial do meu Facebook, pois existem posts em diversos idiomas, inclusive russo e árabe!
Passei quase um ano em Sapporo, a maior cidade da ilha de Hokkaido, ao norte do Japão. O alojamento era praticamente como um hotel, possuía restaurante, sala de jogos e lazer, e eram oferecidos eventos culturais e excursões nos finais de semana, para que pudéssemos conhecer mais sobre a cultura japonesa. Nos dias de semana, durante o dia, eu frequentava uma firma de tecnologia da informação, onde estudava e fazia observações, como se fosse um estágio. À noite, quando não tinha algum evento promovido pela instituição, ficava conversando com os amigos na sala de lazer ou fazia compras e passeios no centro da cidade.
Apesar de eu ser do grupo de descendentes de japoneses, eu gostava mais de passar o tempo com as pessoas não-descendentes. Algumas me pediam para acompanhá-las em passeios e compras pela cidade, como se fosse uma “guia” e uma “tradutora” (pois o pessoal só sabia falar inglês). Com isso, pude exercitar meu inglês e conhecer mais sobre culturas dos países de origem dos meus amigos.
Como passei meu aniversário lá, me dei de presente uma viagem a Tóquio, e conheci (ainda que rapidamente) muitos lugares lindos, daqueles que aparecem como cenário em animes e novelas japonesas, e que sempre sonhei em conhecer.
SQNS – Depois do dia 10 deste mês, o Japão é a principal manchete da mídia televisiva e internet do mundo todo. A catástrofe de proporções gigantes que assolou os japoneses foi a pior desde a II Guerra Mundial. Você tem conversado com familiares e amigos que por lá vivem? Como eles foram afetados pelo desastre?
Keiko – Felizmente, minha família mora em regiões fora de risco, portanto, estão todos bem. Os amigos que moram por lá também já deram notícias através da Internet, e aparentemente estão todos bem e seguros.
A ilha de Hokkaido (onde passei maior parte do meu tempo) é uma região pouco afetada por tremores de terra e outros fenômenos naturais (tufões, tsunamis etc). Ela se encontra sobre uma placa tectônica inteira, então, a probabilidade de acontecer alguma coisa é quase nula. Uma amiga de lá me relatou que o Japão inteiro está em alerta contra os terremotos que vão se suceder durante esse mês, mas que em Hokkaido não está acontecendo nada. Algumas cidades costeiras sofreram com o avanço do mar, mas nada demais, comparado com as regiões mais afetadas do país.
Já em Tóquio, no dia do desastre, a cidade praticamente parou. Uma amiga relatou na Internet que não tinha como voltar do trabalho para casa, pois os trens estavam todos parados, e acabou passando a noite no escritório. Não tenho conhecidos que estivessem nas regiões mais atingidas.
SQNS – No tempo em que morou por lá, passou por alguma experiência de terremoto, visto que eles são tão comuns no Japão?
Keiko – Felizmente, eu estava numa região de baixa incidência de terremotos, então, não passei por nenhuma experiência desse tipo. Alguns amigos me disseram uma vez que houve um pequeno tremor às 4 horas da madrugada, que os móveis do quarto começaram a balançar e o vidro da janela batia, mas eu não me lembro de nada disso. Provavelmente, eu estava dormindo, hehehe! Mas não foi confirmado como um terremoto “de verdade”.
SQNS – Sabemos também que os japoneses são as pessoas mais preparadas para enfrentar este tipo de situação, pois desde tenra idade eles simulam situações de terremotos. Você participou de algum tipo de treinamento/simulações enquanto esteve por lá?
Keiko – No programa de bolsistas da JICA, todos passam por uma semana de “introdução ao Japão”, que abrange seminários de orientação sobre o programa, palestras sobre História e cultura do Japão e visita ao museu da instituição e o corpo de bombeiros local.
No corpo de bombeiros, conhecemos um pouco do sistema japonês de prevenção e combate a incêndios e recebemos um rápido treinamento, voltado para cidadãos comuns, de como proceder em caso de incêndios, terremotos e outros acidentes.
Quando fui ao corpo de bombeiros, entrei num simulador de terremotos. Era bem simples, imitava o ambiente de uma sala, com janela e armário embutido. Pensamos que era fácil passar por um pequeno terremoto, bastando ficar quieto no lugar. Mas o chão balançava muito, e as coisas de dentro do armário começaram a cair sobre nós (felizmente, no nosso caso, eram apenas almofadas!!), e entendemos a importância de receber e seguir o treinamento específico para casos como esse.
Todos os cidadãos japoneses recebem periodicamente esse tipo de treinamento, desde a escola primária. Todos sabem como proceder em caso de terremoto. As revistas informativas (principalmente aquelas voltadas para o público jovem) publicam matérias sobre como se proteger em caso de terremotos. As medidas mais comuns são desligar os aparelhos elétricos e proteger-se embaixo de mesas. Alguns até possuem os próprios capacetes de proteção em casa.
As construções japonesas são projetadas para aguentar o impacto dos tremores de terra. Suas estruturas possuem amortecimento, que os impede de desabar facilmente. Existe sinalização de emergência em todos os prédios e locais públicos, como metrôs e centros de compra. Os japoneses são muito disciplinados e dão muito valor à prevenção de acidentes.
Simulador de terremotos - Imagem cedida por Keiko
SQNS – O Japão já se recuperou uma vez de forma extraordinária, saindo de um país destruído ao final da II Guerra para o posto de 3º país mais rico do mundo. O que você acha que o resto do mundo pode aprender com o caso atual do Japão?
Keiko – Eu admiro o povo japonês pela sua disciplina, respeito ao próximo e espírito de solidariedade. Nessas notícias que vemos todos os dias sobre o desastre, não vemos cenas de vandalismo, violência, roubo, protestos e outros atos de desespero. Todo mundo procura se ajudar, trabalhar pelo bem-estar dos menos favorecidos. Os que perderam tudo demonstram tristeza, mas não ficam desesperados, porque sabem que podem contar com o governo e os cidadãos. As pessoas em fuga formam filas, não há correria. Até as crianças sabem se comportar.
Acho que o mundo e, principalmente nós, brasileiros, temos muito que aprender com o povo japonês. Acho que o ponto primordial é o respeito que eles possuem pelas pessoas e pela própria natureza.
A educação japonesa é uma das melhores do mundo porque educa, literalmente, para a vida. Desde mais novas, as crianças aprendem não somente as disciplinas “básicas” como Matemática e Geografia, mas aprendem música, culinária, praticam diversos esportes, são tratados realmente como cidadãos. São incentivados desde cedo a trabalharem em equipe e a respeitar os professores e os colegas.
Apesar de eles terem uma imagem de pessoas frias e egoístas, na verdade são muito acolhedores, respeitam tanto as crianças como os mais idosos, tratam muito bem as pessoas que encontram no dia-a-dia, estão sempre dispostos a ajudar. Respeitam as regras da sociedade, não apenas por obrigação, mas pelo senso de preservação da ordem e do bem-estar.
SQNS – Agradeço a disponibilidade e boa vontade de participar desta pequena entrevista e gostaria que usasse este último espaço para dizer o que sente em relação ao acontecido junto com uma mensagem positiva para a terra de seus ascendentes!
Keiko – Eu é que agradeço pela oportunidade de falar sobre minha experiência no Japão. Realmente, o Japão é um país extraordinário, e recomendo a todos que, um dia, possam conhecer essa maravilhosa terra pessoalmente.
Apesar do momento trágico em que o país se encontra, eu acredito na sua pronta recuperação. Não foi por acaso que o Japão saiu da condição de um país quase totalmente feudal, alguns anos atrás, para ser uma potência mundial em economia e tecnologia. Eles possuem força, determinação e disciplina e, acima de tudo, amam seu país.
Estou torcendo para que o Japão se erga muito brevemente, e espero um dia voltar lá, conhecer outras regiões, rever os amigos e aprender mais e mais com esse povo cheio de sabedoria.
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Imagem obtida no site da Globo.com
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Na última enquete foi perguntado:
"Você tem medo de avião?"
Sim! 33% (02 votos)
Não! 66% (04 votos)