Ele estava sentado ali, em um dos vários bancos azuis que cercava a pequena praça. Tudo parecia calmo: o vento soprava lentamente, os carros estavam quietos no estacionamento ao redor da pracinha, as árvores deixavam cair seus pequenos frutos já maduros, colocando outro tom de cor no chão, nas mesas, nos bancos... Tudo estava calmo. A tranquilidade do jovem era tamanha que demorou um pouco a perceber que o vento, agora, soprava mais forte que de costume. Tudo estava calmo... até demais.
A poeira arrastada pelo ar começou a castigar suas pernas e ele usou seu livro como escudo para seu rosto. Curiosamente não havia mais ninguém na praça. A revoada dos pássaros foi também o último barulho que fizeram. Estava difícil se equilibrar, mesmo estando sentado, por causa da força do vento. O garoto estremeceu. Algo estava muito errado naquele instante e ele não podia abrir seus olhos, pois a ventania, juntamente com a areia do local, fez com que ele se sentisse em meio a uma tempestade de areia em pleno deserto do Saara. É claro que ele nunca tinha estado no deserto do Saara, mas ele teve a certeza absoluta que se lá estivesse, teria sido do mesmo jeito.
Logo que a tempestade de areia cessou, o rapaz pensou estar a salvo. Contudo, seu pesadelo estava apenas começando. Quando olhou ao redor, percebeu que tudo parecia mais antigo. Os carros ao seu redor continuavam lá, mas estavam arruinados, aparentemente por falta de uso. Algumas mesas estavam quebradas e o próprio banco em que ele estava sentado, estava em parte quebrado.
“Tudo isso aconteceu por causa da tempestade de areia?”, perguntou a si mesmo. Não obteve resposta. Levantou e chamou por alguém. Ninguém o respondeu. Chegou próximo a um dos carros que estava no estacionamento, que há dez minutos parecia ter acabado de sair da fábrica e percebeu um detalhe curioso: a placa estava enferrujada. Seria mesmo possível? Não estaria ele ficando louco? Sonhando? Olhou para a pequena muda que estava no canteiro ao seu lado e não a encontrou. Em seu lugar havia uma árvore que já dava seus frutos. Sim! Por mais que estivesse louco, ou sonhando, ou mesmo que tudo fosse real, só uma explicação tomava conta da mente dele: o tempo havia passado!
Uma mistura de terror e incompreensão dominou o garoto por completo. Como isso seria possível? Não! Aquilo não era um sonho! Pensou em quanto tempo era necessário para que uma muda de árvore se tornasse adulta e produtora de frutos. A única conclusão que chegou é que seriam necessários, no mínimo, anos. Se é que aqueles são seus primeiros frutos. Poderiam ser décadas. Olhou então para ele mesmo. Sua roupa e seu corpo não demonstravam sinais de envelhecimento. Estava exatamente igual. Parecia ser a única peça que sobrava naquele quebra-cabeça. Nada fazia sentido.
Tentou gritar por alguém uma vez mais. A resposta foi a mesma.
Apesar da sensação de pavor que o consumia, não podia negar que outro sentimento passava pela sua cabeça, pelo seu peito, por cada molécula de seu corpo, como se estivesse diluído em seu sangue e estivesse sendo levado para cada célula sua. Era impossível, naquela calmaria, não se sentir em paz. “Estou morto!”. Foi o segundo pensamento que veio a sua mente. Era, até agora, a melhor explicação que tinha encontrado. Só podia ser aquilo. A sensação de pavor deveria ser natural, e a calmaria deveria ser uma recompensa. Ficava cada vez mais calmo, tentando se acostumar com a ideia. Não precisaria mais se preocupar com escola, provas, desilusões amorosas, qualquer tipo de dor que a vida poderia causar. Talvez tivesse que descobrir agora o que a morte poderia lhe dar. Estava feliz.
A poeira arrastada pelo ar começou a castigar suas pernas e ele usou seu livro como escudo para seu rosto. Curiosamente não havia mais ninguém na praça. A revoada dos pássaros foi também o último barulho que fizeram. Estava difícil se equilibrar, mesmo estando sentado, por causa da força do vento. O garoto estremeceu. Algo estava muito errado naquele instante e ele não podia abrir seus olhos, pois a ventania, juntamente com a areia do local, fez com que ele se sentisse em meio a uma tempestade de areia em pleno deserto do Saara. É claro que ele nunca tinha estado no deserto do Saara, mas ele teve a certeza absoluta que se lá estivesse, teria sido do mesmo jeito.
Logo que a tempestade de areia cessou, o rapaz pensou estar a salvo. Contudo, seu pesadelo estava apenas começando. Quando olhou ao redor, percebeu que tudo parecia mais antigo. Os carros ao seu redor continuavam lá, mas estavam arruinados, aparentemente por falta de uso. Algumas mesas estavam quebradas e o próprio banco em que ele estava sentado, estava em parte quebrado.
“Tudo isso aconteceu por causa da tempestade de areia?”, perguntou a si mesmo. Não obteve resposta. Levantou e chamou por alguém. Ninguém o respondeu. Chegou próximo a um dos carros que estava no estacionamento, que há dez minutos parecia ter acabado de sair da fábrica e percebeu um detalhe curioso: a placa estava enferrujada. Seria mesmo possível? Não estaria ele ficando louco? Sonhando? Olhou para a pequena muda que estava no canteiro ao seu lado e não a encontrou. Em seu lugar havia uma árvore que já dava seus frutos. Sim! Por mais que estivesse louco, ou sonhando, ou mesmo que tudo fosse real, só uma explicação tomava conta da mente dele: o tempo havia passado!
Uma mistura de terror e incompreensão dominou o garoto por completo. Como isso seria possível? Não! Aquilo não era um sonho! Pensou em quanto tempo era necessário para que uma muda de árvore se tornasse adulta e produtora de frutos. A única conclusão que chegou é que seriam necessários, no mínimo, anos. Se é que aqueles são seus primeiros frutos. Poderiam ser décadas. Olhou então para ele mesmo. Sua roupa e seu corpo não demonstravam sinais de envelhecimento. Estava exatamente igual. Parecia ser a única peça que sobrava naquele quebra-cabeça. Nada fazia sentido.
Tentou gritar por alguém uma vez mais. A resposta foi a mesma.
Apesar da sensação de pavor que o consumia, não podia negar que outro sentimento passava pela sua cabeça, pelo seu peito, por cada molécula de seu corpo, como se estivesse diluído em seu sangue e estivesse sendo levado para cada célula sua. Era impossível, naquela calmaria, não se sentir em paz. “Estou morto!”. Foi o segundo pensamento que veio a sua mente. Era, até agora, a melhor explicação que tinha encontrado. Só podia ser aquilo. A sensação de pavor deveria ser natural, e a calmaria deveria ser uma recompensa. Ficava cada vez mais calmo, tentando se acostumar com a ideia. Não precisaria mais se preocupar com escola, provas, desilusões amorosas, qualquer tipo de dor que a vida poderia causar. Talvez tivesse que descobrir agora o que a morte poderia lhe dar. Estava feliz.
- Ei! Quem é você? – perguntou um velho homem vestido de branco, com uma longa barba branca e corpo frágil.
- Você é Deus? – indagou o jovem intrigado.
- Não! Sou um Guardião. Como você veio parar aqui? Quem é você? – Replicou o ancião.
- Eu morri! Quer dizer, eu acho que morri. Acho que o tempo passou rapidamente por aqui também. Há dez minutos tudo isto parecia normal. Agora tudo está tão... antigo. Mas me desculpe, o senhor disse guardião?
- Sim. Sou Guardião deste lugar.
- Eu estou morto, então?
- Pode ser que sim. Mas você me parece bem igual aos vivos!
- E onde estão os vivos? Parece que todos se foram... Há quanto tempo você guarda este lugar?
- Há quanto tempo? “Tempo”... O tempo é uma invenção humana. Eu, assim como os outros guardiões, sou atemporal. O meu lugar também é atemporal.
- Este lugar é atemporal? – Tentava entender o jovem.
- Sim. Talvez seja por isso que você está tão confuso.
- Como assim?
- Sobre tudo parecer pertencer ao passado aqui. Mas você acha que o tempo passou, ou seja, você estaria no futuro. Mas estando vivo ou morto, você está nesse exato momento conversando comigo, o que você poderia chamar de presente. – O rapaz tentava acompanhar o raciocínio do Guardião com atenção. – Para mim não há problemas com o local. Não importa quantas vezes ele mude. Sou seu guardião independente do tempo. Para vocês, o lugar muda com o passar do tempo, pois vocês vêem o lugar pelo que nele existe de material, não pelo que ele é. Eu não cometo este equívoco. Nem poderia.
- Acho que entendo. Mas porque então...
- Shiii. – O ancião fez sinal para o jovem calar-se.
- O que foi?
- Invasores!
- Como assim? Outras pessoas?
- Sim! Elas não são bem vindas no meu lugar.
- Por que não?
- Porque posso vê-las como vejo meu lugar. Não pelo que elas têm. Mas pelo que são. Os Guardiões podem sentir e ver a essência das coisas.
- E eu sou bem vindo?
- Se não fosse, pode apostar que esse encontro nunca teria acontecido.
O Guardião não falou mais nada, apenas juntou as mãos e fechou os olhos. O jovem sentiu-se empurrado por alguma força invisível e afastou-se do velho homem. As folhas secas no chão começaram a fazer movimentos em círculos, como se estivessem em ressonância com o Guardião e então ele abriu seus braços. Começou a falar uma língua que o garoto nunca tinha ouvido antes, e o medo começou a fazer-se presente no peito do jovem. “Não tenha medo”. O Garoto não soube dizer se o que ouviu dentro de sua mente veio de dentro dele próprio ou se era o Guardião, mas independente disso a frase o ajudou a acalmar-se.
Aos poucos, as folhas e a areia que faziam um redemoinho em volta do ancião foram parando e se dispersando. O velho abriu os olhos e o garoto pôde ver que suas pupilas não estavam mais no centro de seus olhos. Tudo que havia era os dois glóbulos oculares totalmente brancos.
- Eles se foram! – Falou o Guardião.
- Seus olhos...
- Ah sim... – falou o velho como se agora que estivesse se lembrando de algo. – Melhorou?
- Um bocado. – Respondeu o garoto depois de ver as pupilas novamente em seus locais de origem. – Como o senhor fez isso?
- Na verdade, estou nesta forma para que possamos conversar. Eu não sou assim. Apenas me apresentei a você assim. Mas não é normal você estar aqui. Vendo o que está vendo. Você deve ser diferente dos outros!
- Então há chances de que eu ainda possa estar vivo?
- Creio que sim. Não entendo como você veio nem como pode enxergar essa atemporalidade. Você deveria estar preso a seu tempo. Nenhum humano pode viajar através dos tempos. O que você tem de especial?
- Eu não sei... – disse o jovem sentindo-se envergonhado. Recebera um elogio, ao menos assim ele encarou a frase do Guardião.
- E isso que tem na mão?
- Ah... Estava lendo um livro quando tudo aconteceu. Primeiro o vento começou a ficar mais forte, depois veio a tempestade de areia e quando abri os olhos, estava aqui!
O Guardião fez cara de surpreso e de quem estava começando a entender tudo. Ficou surpreso na verdade que o garoto ainda não tinha entendido o que estava acontecendo.
- Preciso ir.
- Como assim? E eu, como fico?
- Eu preciso guardar o meu lugar.
- Você não pode fazer nada por mim? – Perguntou o jovem preocupado.
- Talvez. Sente-se! – Ordenou o guardião. O jovem buscou o banco que estava sentado quando a tempestade de areia começou e sentou-se. – Agora feche os olhos.
O garoto obedeceu ao comando e novamente começou a sentir uma paz de espírito imensa, que nunca saberia explicar com palavras. Como se tudo pudesse terminar naquele momento que ele estaria feliz pelo resto da eternidade. Mas “eternidade” não existe para quem crê no tempo. Sem mais nem menos, algo que tocou suas pernas fez com que ele abrisse os olhos repentinamente, como se uma descarga elétrica super potente tivesse atingido seu peito e feito seu coração voltar a pulsar. Era apenas um gato. O jovem olhou a sua volta e viu que havia pessoas passando. Havia barulho de animais. Havia criança chorando. O dono do carro novinho em folha estava dando marcha ré para sair do estacionamento. O mundo voltara ao normal. A pracinha era no caminho da escola, e um amigo do jovem apareceu.
- Está perdido por aqui? – perguntou o garoto aproximando-se do que estava sentado no banco.
- Ah, oi Ruan! – disse o jovem confuso.
- Está tudo bem com você?
- Está, está! Você ta indo pra escola?
- Sim! Já estamos em cima da hora, você não vem?
- Vou sim, cara! Vamos pra não nos atrasarmos! Me deixa só arrumar aqui minha mochila. – Disse o jovem pegando sua mochila que estava atrás do banco, e ainda com cara de quem não estava entendendo nada, folheou o livro que estava lendo e viu que a última página, somente ela, estava amarelada. O livro era novo, mas aquela página parecia ter umas décadas de existência. Guardou o livro na mochila e virou-se para seu amigo.
- Pronto? Vamos? – perguntou o amigo.
- Vamos sim! – Disse o jovem sorrindo e acrescentou: – Você gosta de ler, Ruan?
- Na verdade não muito. – Falou com sinceridade.
- Eu acabei de ler um livro ótimo agora. Se você prometer ler eu te empresto.
- Ah, tudo bem!
- Na escola eu te dou então.
- Você gosta muito de ler, não?
- Gosto sim. E este é meu lugar preferido para ler. Qualquer dia podemos vir juntos para cá, traremos bons livros e passaremos a tarde por aqui. Para mim é como se a leitura te levasse a outros mundos.
- Não tenho nada contra a Terra! – Disse Ruan e os dois riram juntos.
Os dois caminharam pelas sombras das árvores em direção à escola e enquanto riam as folhas e a areia do local dançavam em círculos no lugar que eles estavam, como se estivessem em ressonância com seus espíritos. A pracinha terminou sendo um lugar que eles usariam por anos para uma boa leitura. Nunca entenderam muito bem o porquê de se sentirem tão bem vindos naquele local.
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Escrito em 09 e 10 de abril de 2009
A leitura realmente nos leva a outros lugares e tempos(passado, presente, futuro).
ResponderExcluirÉ tudo numa coisa só, na leitura!
Sabe o que é sensacional? Pois é.
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