OBS: Este texto é do nobre irmão Henrique Rodrigues de Oliveira Júnior, e está sendo publicado neste Blog por passar algo em palavras que eu acredito piamente, e pela minha incapacidade de transmitir algo semelhante através de minhas palavras. Boa Leitura! (Publicação feita originalmente no nosso antigo Blog "O Fio da Katana", em 05 de julho de 2010)
ERA UMA VEZ um
tempo: o tempo do "Era uma vez...". Neste tempo, hoje aparentemente
tão distante, e quase irreal ao ponto de quase tornar-se também um mito, as
pessoas se ocupavam mais com os livros, e estes eram grandes objetos de poder.
De fato, os livros eram singularmente poderosos, e possuíam magia própria: eram
como portais entre o mundo da fantasia e o mundo real.
Lembro-me bem que
vivi aqueles dias. Hoje estas recordações possuem sabor de sonhos bons, quase
esquecidos. Lembro-me dos livros de capa dura e dos desenhos que ilustravam as
histórias. As páginas sempre funcionavam em par: imagem em uma, narrativa em outra.
Lembro-me também dos diminutos LPs coloridos que nada mais eram que as
histórias contadas e cantadas, interpretadas por atores que se tornavam, para
as crianças que as ouviam, os próprios personagens. O sonho, então, tornava-se
ainda mais vívido e real: eles tinham vozes, portanto, eram reais!
Lembro-me que
vieram, então, os filmes. Desenhos animados em longas metragens. Primeiro, na
tela dos cinemas. Depois, na tela da televisão. Posteriormente, ainda na tela
da televisão, mas promovidos pela tecnologia do VHS.
Um dos personagens
que mais me encantou foi o Pequeno Nemo, do filme "Little Nemo In
Slumberland". Para minha extrema infelicidade, não se acha mais este
filme em lugar algum (salvo alguns trechos no youtube). Mas, como
eu dizia, tal foi minha identificação com este magnífico personagem, que eu
mesmo me via, e me vejo até os dias de hoje, como um "Pequeno Nemo":
o mundo dos sonhos, para mim, chega a ser tão ou mais real que o famigerado
"mundo real"... E eu me transporto com grande facilidade para este
mundo, e nele encontro um tipo de felicidade que não pertence ao mundo
convencional. Foi ao ter contato com a história do Pequeno Nemo que vislumbrei,
pela primeira vez, como seria bom ter o poder de transportar-se, totalmente, e
completamente, para o Mundo dos Sonhos, de modo a poder viver o meu próprio
Conto de Fadas.
Hoje, quando penso
em minha vida, rememorando os dias de infância, tão agradáveis que vivem na
memória com a nitidez do ontem, sinto que ela também tem um tom de "era
uma vez". Era uma vez o LP. Era uma vez o VHS. Era uma vez uma TV sem
controle remoto. Era uma vez livros de Contos de Fadas lidos em família, em
noites especiais, quando todos estavam em casa: pai, mãe - as vezes avô e avó -
e filhos. Quanto mais penso nestes dias, tanto mais comparo com o que se tem
nos dias de hoje. Quando estas comparações ocorrem, não deixo de me ver como
felizardo, e de lamentar pelos jovens e infantes de hoje.
Eu fui criança (e
talvez ainda seja). Tive brinquedos e jogos, mas acima de tudo, tive sonhos. E
muitos da minha geração também foram assim. Nós, que ontem fomos os
"adultos do amanhã", já somos adultos, mas boa parte de nós ainda
preserva seus sonhos e fantasias. Ainda se encanta e ainda sonha. Mas, e a
geração de hoje? Como estão?
Parece-me que ela,
a geração de crianças e jovens de hoje em dia, não possuem esta oportunidade -
ou dela não se aproveitam bem, e quanto mais os dias se passam, mais ela se
torna uma oportunidade prematuramente perdida. A beleza poética que existia nos
Contos de Fadas fora, paulatina e progressivamente, substituída pela ação
rápida e enervante e pela torrente de violência gratuita de aventuras drásticas
e pouco dramáticas.
Adoro artes
marciais, e adoro ação. Mas gosto muito mais delas quando acompanhadas de um
drama e de uma trama à moda de "Heroi", estreado por Jet Li em 2002.
Sou uma pessoa à moda antiga: o romance dramático é o tempero de minha alma, e
nada me agrada mais do que o eterno "clichê" de uma luta por amor,
por honra, ou por dever. Neste ínterim, gosto de sentir a evolução do universo
interno do personagem, pois eu mesmo cresço junto com ele, e no fim, eu e ele
somos um, e o espectador se dissolve no personagem heroico, e o herói se
dissolve no espectador sonhador.
E talvez seja
justamente isto que dê, às gerações que sucedem a minha, alguma esperança.
O desejo pelo
"mágico", pelo "místico" e pelo "sobrenatural"
existe e sobrevive no íntimo de cada ser. Os sinais são evidentes e notórios.
Basta observar a crescente safra de histórias e contos fantásticos que surgem.
A fantasia do ocidente encontra-se com a do oriente. Hoje os HQ's se confundem
com Mangás e os Desenhos Animados com Animes. Os mitos e lendas de povos
distantes ganham vida, com direito a imagens dinâmicas e sons vívidos, nas
telas dos cinemas e da televisão. Os jogos eletrônicos se desdobram em milhares
e milhares de personagens, para todos os gostos, cada um mais mirabolante e
fantástico que os outros. Naruto que o diga...
Há quem diga, é claro, que estas coisas todas
não são legítimos "Contos de Fadas". Que são arremedos apenas. Mas
então, pergunto-me: que são os "Contos de Fadas"? Não se trata de
modo algum de uma apologia à Disney. Não foi ela quem criou os Contos de Fadas,
nem detêm qualquer monopólio sobre estes. Os Contos de Fadas são universais,
desconhecem as fronteiras do tempo e do espaço, não se esgotam e não saem de
moda. São, ao contrário, cada vez mais modernos e atraentes. Sabe-se que há
estudos Acadêmicos de grande seriedade que se ocupam com os Contos de Fadas, e
que a própria filosofia, bem como tantas e tantas correntes psicológicas,
estudam estes textos, mas a verdade, a Grande Verdade é bem simples e modesta:
os Contos de Fadas são momentos de inspiração que se perpetuam e se transmitem
de pessoa à pessoa.
Personagens que
lutam contra maldições como o vampirismo ou a licantropia. Personagens que
buscam a si mesmos, numa jornada épica. Personagens que lutam contra o destino,
ou que tentam dar-lhe realização. Magos e bruxas, bestas demoníacas e armas
encantadas, fadas e animais falantes. E, no fim, um ato heroico que desdobra-se
na maior das realizações pessoais de cada personagem, sendo que, na maioria das
vezes, o desejo deles faz eco aos nossos: estar com o ser amado e com ele viver
"feliz para sempre". E toda vez que adentramos no universo de um
Conto de Fadas qualquer, acabamos por nos inspirar neles, e por eles.
Ah, a inspiração...
"A Bela
Adormecida" é fruto de inspiração, e veio da mesma fonte que "O
Senhor dos Aneis". "Branca de Neve e os Sete Anões" foi em seu
tempo fruto de inspiração, tanto quanto Harry Potter o é nos dias de hoje.
"Peter Pan" é fruto de uma inspiração de um ser humano, e do mesmo
modo o "Avatar - a lenda de Aang" também é. O "Sonho de uma
noite de verão" e "O Pequeno Príncipe" também. Os exemplos são
infindáveis, e cada vez surgem mais. E cada um deles dá, a quem o lê com o
coração, iguais momentos de inspiração. E de quem se inspira e cria, a quem vê
e se inspira, a inspiração é sempre a mesma. A magia permanece intacta. A
diferença é que, nos Contos de Fadas há uma história, há uma trama, há
questão moral implícita, e há além e acima disto tudo, a inocência, a magia, a
beleza e a sedução que lhe são próprios.
Talvez seja verdade
que os filmes de hoje, as tantas histórias em quadrinhos e mangás, desenhos e
animes, games e tudo mais, não se comparem em estilo e categoria com os
"verdadeiros" Contos de Fadas. Mas creio que, se eles possuem o poder
de encantar e de fazer sonhar, e se trazem boas histórias, e se possuem uma
trama interessante, e se trabalham com questões morais, implícitas ou não,
então possuem tudo para serem, para alguém de espírito sensível, mente fértil e
criatividade ativa, um excelente Conto de Fadas.
Vida longa aos personagens de Contos de Fadas,
os bons e os maus. Que eles continuem a encantar e impressionar. Que continuem
à entreter e ensinar. Que continuem a movimentar sonhos e esperanças. Afinal de
contas, o que nos diferencia das máquinas talvez seja, numa simples expressão
coloquial e um tanto quanto lírica, o poder de sonhar.
Pensamentos
sectaristas não me agradam. Não devemos nos ater à extremos, tampouco devemos
ser isolacionistas: ou só isto, ou só aquilo. Se temos tantas alternativas ao
exercício da imaginação, e se nada nos impede de utilizarmos a todos, então,
que os utilizemos todos, sem qualquer distinção. Entretanto, a bem da verdade,
está faltando um pouco do bom e velho "Conto de Fadas", publicado e
com imagens, na vida de nossos infantes e jovens. Enquanto preservarmos e
usufruirmos do "poder de sonhar", permitiremos que nosso próprio
viver torne-se um conto de fadas. Mas sonhar, apenas, não dá: é preciso sonhar
com qualidade.
Creio eu que quando
nossos sonhos e nossas vidas se tornarem sinônimas, então sim, poderemos ser,
verdadeiramente, "Felizes para Sempre"!